"Amor" - um olhar da psicóloga Silvia Regina Medeiros Zuffo, integrante do Instituto Proteger.
O Filme “AMOR” conta a história
de um casal de octogenários, Anne e George, vivendo suas vidas de uma forma
harmônica, com certa leveza e cumplicidade, em um belo apartamento em Paris,
demonstrando controle e autonomia sobre suas vidas. O casal vivia sozinho, uma vida sem amigos e uma relação
distante com a filha. Ocupavam seu tempo com atividades que lhe davam
satisfação, como a musica e a leitura. Anne tinha sido uma professora de piano,
se mostrava uma senhora inteligente altiva, e realizada visto que um de seus
alunos havia conquistado fama internacional.
A vida do casal transcorria de
forma tranqüila até que tiveram sua rotina quebrada, quando Anne é acometida
provavelmente por um derrame (não fica claro de que doença se trata). Quando
volta do hospital apresenta o lado direito paralisado, perdendo autonomia e
necessitando da ajuda de outras pessoas para desenvolver as atividades da sua
vida diária como: tomar banho, cortar alimento, ir ao banheiro, caminhar. A partir deste evento a vida do casal
sofreu grandes e dolorosas transformações, na medida em que necessitaram lidar
com as dificuldades resultantes da doença que se fez presente.
A enfermidade de Anne se
agravou, sua saúde física e mental se deteriorava, necessitava de maiores
cuidados, George mesmo assim decidiu manter o cuidado da esposa em casa. Sua
filha questionou sua decisão, mas George mesmo debilitado tentava manter a
dignidade de Anne, não permitindo sua ida para um asilo. Mas à medida que o
tempo passava, as dificuldades aumentavam e a doença foi consumindo não apenas
Anne, mas as esperanças e o tempo do próprio George.
Este Filme chamado “Amor” pode
ser analisado, e compreendido a partir de vários aspectos. Várias questões
pertinentes ao envelhecimento foram abordadas. Umas delas é o sofrimento que
aflige aqueles que envelhecem quanto o pior de seus temores a falta da saúde
física e principalmente mental, resultando numa perda da dignidade. Outro ponto
que pode ser observado é a dificuldade que as pessoas, nesta faixa etária, têm
de reconhecer suas limitações. Talvez esteja associado ao momento em que
estamos vivendo, uma vida baseada na independência, no individualismo, onde
temos que dar conta de tudo. Essa dificuldade de pedir e principalmente aceitar
ajuda, na sua grande maioria é causador de muito sofrimento.
O casal George e Anne, por
opção ou não, viviam uma vida distante de amigos e dos familiares. Enquanto
tinham um ao outro parecia que este distanciamento não interferia de forma
negativa nas suas vidas. Mas à medida que a doença de Anne foi se
agravando, percebe-se que George,
que se mostrava amoroso e atencioso, começa a perder o controle. Em determinado
momento agride fisicamente Anne, em outro momento se indispõe com a enfermeira
que prestava cuidados a sua esposa.
O comportamento de George, deve
nos alertar para situações onde o familiar, principalmente idoso, se torna o
“CUIDADOR PRINCIPAL” por opção ou por não ter alternativa. Em geral se tratam
de cuidados que se prolongam por um longo período. Estamos falando de cuidar de alguém que amamos, no caso do
Filme, uma companheira de longa jornada.
Cuidar de alguém a quem amamos
vinte e quatro horas por dia, por um tempo muito longo, causa desgaste físico e
emocional. Ver aquela pessoa a quem amamos indo embora de forma lenta e
indigna, é doloroso. Afloram sentimentos muitas vezes contraditórios, desejo de
ser livre novamente, ter tempo para si, voltar a viver, fazer atividades que
tragam o prazer de viver, ao mesmo tempo o medo da perda, constatação da sua
impotência diante da doença, raiva por se sentir abandonado por aquela pessoa
que trilhou um caminho do seu lado, tristeza de ver planos desfeitos, a
percepção das próprias limitações, toda esta situação que esta vivenciando
remete a própria finitude, a seus próprios medos.
Diante deste quadro podemos
questionar até onde é suportável abrir mão da própria vida, da liberdade de ir
e vir, abdicar de si para se dedicar integralmente ao outro, mesmo que este
outro seja sua companheira de uma vida toda. Quando George sufoca Anne com o
travesseiro, a pergunta que fica é será que ao tirar a vida de Anne, estava
George atendendo uma suplica, um desejo da esposa? Ou todo o envolvimento emocional lhe deixou frágil e
vulnerável a ponto de perder a noção de até onde temos o direito de ir?
Este filme talvez possa ser um
alerta no sentido de estarmos atento, a sociedade e principalmente a família
para a questão de um idoso cuidando de sua companheira, também idosa e
necessitando de cuidados especiais. Não se trata de dispensar o cuidado que
este idoso tem com sua esposa, o carinho que dedica a ela, mas trata sim de
supervisionar, dar apoio, se responsabilizar por toda logística que se faz
necessária desde os cuidados com medicação, alimentação, higiene pessoal da pessoa
que esta enferma, assim como a limpeza da residência, a compras que necessitam
ser feitas, higiene das roupas pessoais, de cama, mesa e banho, da preparação
dos alimentos e não só daquele que esta doente, mas do idoso que esta prestando
cuidado.
Este filme também pode nos
fazer pensar numa das grandes dificuldades que enfrentamos ao envelhecer:
“Reconhecer nossas limitações” e aprender a dividir o fardo, abrir espaço,
pedir e aceitar ajuda do “outro”, que poder ser um familiar, um amigo ou da
própria comunidade.
Faz-se necessário também que a
família e a sociedade como um todo estejam atentos as necessidades daqueles que
envelhecem a nossa volta, estando disponível na medida do possível, prestando
auxilio que podem vir das mais diversas formas, ajuda essa que pode ser física,
financeira ou de apoio emocional. Para que essas ações se façam presentes
necessitamos construir ao longo da vida relações de amizade, carinho e respeito
pelas pessoas com as quais convivemos. Sabemos tratar-se de uma tarefa árdua,
mas não impossível.
Silvia
Regina Medeiros Zuffo – Especialização em Psicóloga Clinica –
CRP
07/16912
Muito lúcida e importante esta abordagem. Parabéns, Silvia
ResponderExcluir