A data foi instituída pela Lei Federal 9.970/00 e lembra um
violento crime sexual que aconteceu em 1973, na cidade de Vitória, no Espírito
Santo, contra uma menina de apenas oito anos, conhecido como “Caso Aracelli”.
Os criminosos nunca foram responsabilizados. O marco é uma conquista na luta
pelos Direitos Humanos de Crianças e Adolescentes de todo o país.
Alguns avanços já foram alcançados, como o Plano Nacional de
Enfrentamento da Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes, cuja
implantação é uma realidade que vem sendo construída coletivamente com o
governo e a sociedade civil, no âmbito dos estados e municípios. Mas ainda há
muito a ser feito, e o "Dia Nacional de Luta contra a Violência Sexual de
Crianças e Adolescentes" deve unir esforços de todos para que a sociedade
brasileira desperte para o tema e participe das ações de enfrentamento.
Como parte desta luta, nesta quinta-feira, dia 16 de maio, em
Brasília, o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) e o Conselho
Nacional de Justiça (CNJ) realizaram o Encontro Nacional dos Coordenadores da
Infância do Ministério Público e do Poder Judiciário. O evento discutiu o
cumprimento da Carta de Constituição de Estratégias em Defesa da Proteção
Integral das Crianças e do Adolescente. Entre os temas estava o enfrentamento
da violência sexual, o aperfeiçoamento do sistema socioeducativo e a
erradicação do trabalho infantil.
Também como parte integrante de eventos, em Brasília, a
Escola Superior do Ministério Público da União (ESMPU) promoverá, no dia 24 de
maio, o Seminário “Enfrentamento à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes
em Grandes Eventos e Obras e Técnicas de Investigações Psíquicas de Crianças e
Adolescentes”.
O promotor de Justiça do MP-PR Murillo José Digiácomo, do
CAOPCAE, fala, em artigo, da importância da organização da "rede de
proteção" à criança e ao adolescente local, de modo a permitir o
atendimento rápido e qualificado de casos de suspeita/confirmação de
violência/abuso/exploração sexual de crianças e adolescentes, tanto no que diz
respeito à proteção das vítimas quanto para apuração da responsabilidade
criminal dos agentes.
Cautelas
importantes para o adequado funcionamento da “Rede” de Proteção.
Murillo José Digiácomo
Promotor de Justiça no Estado do Paraná
- Identificar, junto aos diversos órgãos/setores da
administração os programas e serviços corresponsáveis pelo atendimento de
crianças, adolescentes e famílias;
- Organizar a estrutura de cada órgão/setor/
programa/serviço, de modo a prestar um atendimento prioritário, especializado e
qualificado para os casos envolvendo crianças, adolescentes e suas respectivas
famílias (cf. arts. 4º, caput e par. único, alínea “b” e 259, par. único, da
Lei nº 8.069/90);
- Identificar, dentre os profissionais que atuam em cada
órgão/setor/programa/serviço aqueles que possam servir de “referência” para os
demais, de modo que sejam por todos conhecidos e possam ser acionados sempre
que necessário;
- Definir claramente o papel de cada órgão/
setor/programa/serviço (assim como dos profissionais que neles atuam), de modo
que todos saibam exatamente o que fazer, por que fazer e como proceder diante
de cada caso encaminhado/atendido;
- Efetuar um planejamento de ações específico para cada uma
das diversas situações relacionadas ao atendimento de crianças, adolescentes e
famílias, com a justificativa técnica (e sob a ótica interdisciplinar) para
cada intervenção que se pretende realizar;
- Elaborar, a partir do diálogo entre os diversos
profissionais corresponsáveis pelo atendimento de crianças, adolescentes e suas
respectivas famílias, “fluxos” e “protocolos” de atendimento, que contemplem
(com a devida justificativa técnica) as diversas abordagens necessárias para a
efetiva solução do problema (sem jamais perder de vista que cada caso é um caso
e que deve ter suas peculiaridades respeitadas);
- Realizar reuniões periódicas (a frequência será determinada
pela demanda existente em cada município) para debater os casos de maior
complexidade e/ou que não puderam ser solucionados a partir das abordagens até
então realizadas, avaliando as razões de sua ineficácia e definindo as
estratégias a serem doravante utilizadas para obtenção do resultado desejado
(lembrando sempre que o compromisso de todos não é com o simples “atendimento
formal”, mas sim com a “proteção integral” infanto-juvenil - cf. arts.1º e 100,
par. único, inciso II, da Lei nº 8.069/90);
- Levar em conta, quando da definição das estratégias de
abordagem para cada caso, os princípios relacionados no art. 100, par. único,
da Lei nº 8.069/90, dentre os quais se encontram a “obrigatoriedade da
informação” e a “oitiva obrigatória e participação” de todos os interessados,
respeitado seu estágio de desenvolvimento e sua capacidade de compreensão
acerca das intervenções propostas, de modo a permitir que estes participem
ativamente da definição das abordagens a serem realizadas, da forma como isto
ocorrerá e sejam orientados acerca das razões porque isto será feito e das
conseqüências de eventual descumprimento injustificado;
- Elaborar um “plano individual de atendimento” para cada
caso (nos moldes do previsto para o acolhimento institucional) e celebrar,
sempre que possível, um “termo de compromisso” com os destinatários das
abordagens a serem realizadas (tanto a criança/adolescente quanto sua família),
de modo que estes se comprometam, formal e voluntariamente, a cumprir as metas
propostas (e, como dito, construídas com sua participação a partir dos
esclarecimentos devidos);
- Evitar posturas arbitrárias, preconceituosas e/ou
discriminatórias em relação a crianças, adolescentes, pais e responsáveis,
procurando “enxergar” não apenas os problemas, mas também os aspectos positivos
e potencialidades de cada um;
- Considerar que a “resistência” inicial às intervenções
propostas, assim como eventual “recaída” ao longo do atendimento/tratamento são
absolutamente normais e de modo algum podem servir de pretexto para interrupção
do atendimento e/ou do processo de recuperação, devendo ser desde logo
previstas abordagens alternativas para o caso de sua ocorrência;
- Aprender a ouvir as razões invocadas para o descumprimento
das abordagens propostas, tendo sempre em mente que as intervenções (e os
programas e serviços a elas correspondentes) devem ser “flexíveis”, de modo a
respeitar as peculiaridades de cada caso;
- Reavaliar, periodicamente, a eficácia das abordagens
realizadas, tanto no plano individual quanto coletivo, considerando, dentre
outros fatores, os índices de sucesso, resistência e reincidência entre as
pessoas atendidas;
- Efetuar uma análise crítica da adequação dos equipamentos e
do preparo dos profissionais que neles atuam para o atendimento das demandas a
seu cargo, de modo a apurar possíveis falhas (tanto estruturais quanto técnicas
e/ou conceituais) que comprometam a eficácia das abordagens realizadas;
Lembrar ainda que:
- Toda e qualquer abordagem em matéria de infância e
juventude deve ser planejada e executada com o máximo de cautela e profissionalismo,
a partir de avaliações técnicas interdisciplinares criteriosas: o improviso e o
amadorismo MATAM - ou ao menos têm um enorme potencial para destruir a vida e o
futuro das crianças e adolescentes que se pretende proteger;
- A “rede” de proteção à criança e ao adolescente deve ser
também uma “rede” de proteção à família (que na forma das Leis n°s 8.069/90 e
8.742/93 e da Constituição Federal tem direito a especial proteção por parte do
Estado), devendo as abordagens ser realizadas preferencialmente de modo a
manter ou reintegrar a criança/adolescente no seio de sua família;
- É preciso cautela redobrada quando da aplicação de qualquer
medida de caráter “sancionatório” aos pais/responsáveis (o que, vale dizer, não
é o objetivo da intervenção estatal em matéria de infância e juventude), de
modo a evitar que a “punição” recaia também (ou mesmo prejudique com maior
intensidade) as crianças/adolescentes que se pretende proteger (valendo lembrar
que, mesmo em casos extremos, se alguém tiver de ser afastado do convívio
familiar, este será o vitimizador - e não a vítima - cf. art. 130, da Lei n°
8.069/90, e que eventuais “penas” àqueles que violam direitos infanto-juvenis
devem ser aplicadas pela Justiça Criminal);
- Cabe ao Poder Público, por seus diversos órgãos, programas
e serviços, efetuar – de maneira espontânea e prioritária (cf. art. 4º, caput e
par. único, da Lei nº 8.069/90) – o atendimento de todos os casos de ameaça ou
violação de direitos infanto-juvenis que surgirem (vide também o disposto nos arts.
70 e 100, par. único, inciso II, da Lei n° 8.069/90), independentemente da
“aplicação" de “medidas” pelo Conselho Tutelar e/ou Poder Judiciário (em
outras palavras, não é necessário aguardar a aplicação de uma medida por parte
de uma das citadas autoridades para somente então agir no sentido da proteção à
criança e ao adolescente);
- É fundamental oferecer “alternativas” de abordagem (e
atendimento) para as mais diversas situações e faixas etárias: o planejamento
de ações deve ir desde antes do nascimento (a partir da oferta de um
atendimento psicossocial e jurídico às gestantes), até após o jovem que se
encontrava em atendimento completar 18 anos de idade (podendo se estender até
os 21 anos ou mais - a depender de cada caso e da necessidade de cada um);
- Em qualquer caso, é fundamental que o planejamento das
ações a serem realizadas junto à criança/adolescente/família deve responder
(dentre outras) as seguintes perguntas:
a) O QUE fazer - devendo para tanto usar os parâmetros
fornecidos pelas leis e normas técnicas aplicáveis (como é o caso das
Resoluções dos Conselhos de Direitos, Assistência Social etc.);
b) POR QUE fazer - cada ação planejada e executada deve ter
uma justificativa técnica, não devendo ser acionados órgãos, autoridades ou
equipamentos sem que sua intervenção seja realmente necessárias e/ou para fins
meramente burocráticos (vide o princípio da intervenção mínima, previsto no
art. 100, par. único, inciso VII, da Lei nº 8.069/90);
c) COMO fazer - os projetos relativos aos programas e serviços
devem descrever a metodologia de abordagem, mais uma vez a partir de uma
justificativa técnica adequada. É fundamental a previsão de alternativas de
abordagem, especialmente diante de eventual resistência ou da ocorrência de
problemas ao longo do atendimento/tratamento;
d) QUEM irá fazer - quais os técnicos e profissionais deverão
intervir no caso (mais uma vez com a devida justificativa técnica), não sendo
admissível a simples previsão, de forma “genérica”, do encaminhamento do caso
ao Conselho Tutelar, por exemplo. Importante lembrar que os técnicos e
profissionais que irão intervir devem ser adequadamente qualificados e ser
previamente contatados, informados e conscientizados acerca de seu papel;
e) COM QUE RECURSOS irá fazer - com a devida previsão no
“plano de aplicação” que deve acompanhar o projeto, bem como no orçamento do
órgão público responsável por sua execução ou (co)financiamento (sem perder de
vista o contido nos arts. 90, §2º e 100, par. único, inciso III, da Lei nº
8.069/90). Importante destacar que as respostas a estes questionamentos deverão
ser construídas a partir de uma análise da matéria sob a ótica
interdisciplinar, com as justificativas técnicas devidas;
- A simples existência de uma série de programas e serviços
que “atendem” crianças e adolescentes não basta para formar uma verdadeira
“rede” de proteção: é preciso que estes atuem de forma efetivamente articulada
e integrada e prestem um atendimento qualificado e resolutivo (pior que não ter
programas e serviços é ter programas e serviços que não funcionam de forma
adequada e/ou que não atingem os objetivos aos quais se propõem);
- É preciso que todos aprendam a falar a mesma linguagem e
tenham um bom nível de compreensão acerca da matéria, de modo que possam
debater em alto nível e, juntos, a partir da “soma” de seus conhecimentos (e
esforços), encontrar soluções concretas e duradouras para os casos atendidos;
- O “Sistema de Garantias dos Direitos da Criança e do
Adolescente” concebido pela Lei nº 8.069/90 não é hierarquizado, de modo que
não mais existe a figura da “autoridade suprema” (como ocorria sob égide do
revogado “Código de Menores”), mas apenas profissionais (e autoridades)
diversas com funções distintas;
- O profissionalismo, o espírito de cooperação e o
compromisso com a causa da infância e da juventude são componentes que não
podem faltar na “rede de proteção” como um todo e em cada um de seus
integrantes;
- Para que a “rede” funcione - e tenha condições de cumprir
seu objetivo fundamental: a “proteção integral” de todas as crianças e
adolescentes - é preciso que todos seus integrantes cumpram se papel com o
máximo de empenho e dedicação – e zelem para que os demais façam o mesmo,
estabelecendo entre si uma relação de parceria e respeito mútuos. Eventuais
problemas que surgirem (inclusive no que diz respeito ao relacionamento e à
articulação de ações entre os integrantes da “rede”) devem ser rapidamente
identificados e corrigidos, a partir da união de seus componentes e da
definição da melhor, mais racional e mais eficaz “estratégia” de abordagem;
- O adequado funcionamento da “rede” de proteção à criança e
ao adolescente, assim como seu constante monitoramento e aperfeiçoamento é o
compromisso e a responsabilidade de todos, devendo ser uma preocupação
constante, a partir da avaliação permanente de seus resultados.
- Um trabalho eficiente da “rede” – inclusive numa
perspectiva preventiva -, traz benefícios não apenas às crianças, adolescentes
e famílias atendidas, mas a toda sociedade.
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