A Dra. Maria Berenice Dias, Conselheira
Consultiva do Instituto Proteger, compartilhou o magnífico acórdão, de relatoria do Desembargador Rui
Portanova, do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul.
O acórdão, que trata sobre um caso onde
existem indícios de alienação parental, confirmou a sentença de primeiro grau,
que determinou que os pais e a criança fossem submetidos a tratamento
psiquiátrico ou psicológico, pelo prazo inicial de 02 anos, com fundamento no
artigo 6˚, inciso IV, da lei 12.318/2010.
Segue íntegra do acórdão.
Apelação.
ação de alteração de guarda. tratamento psiquiátrico ou psicológico. alimentos.
VISITAS. distribuição da sucumbência. valor de honorários.
Adequada a determinação sentencial de que o núcleo familiar
se submeta a tratamento psiquiátrico ou psicológico, porquanto intenso o
conflito vivenciado entre as partes, inclusive com bons indícios de alienação
parental.
Descabida a redução dos alimentos devidos pelo apelado à
filha comum, porquanto não comprovada qualquer redução nas possibilidades dele.
Ademais, a resolução da questão patrimonial (partilha) entre os litigantes, não
guarda relação direta com os alimentos devidos pelo apelado à filha.
Não há insurgência substancial da apelante em relação às
visitas regulamentadas pela sentença, como ela mesma afirmou em suas razões
recursais.
Descabida a distribuição igualitária da sucumbência,
porquanto o apelado sucumbiu em parte maior do que a apelante. A distribuição
deve se dar na proporção de 70% - 30%.
Viável majorar o valor dos honorários advocatícios,
porquanto fixados pela sentença em valor diminuto, considerando o tempo de
tramitação do processo, a natureza da causa, e a qualidade do trabalho
desempenhado.
DERAM
PARCIAL PROVIMENTO.
Apelação Cível
|
Oitava Câmara Cível
|
Nº 70049432305
|
Comarca de Uruguaiana
|
L.L.F.
..
|
APELANTE;
|
M.M.B.
..
|
APELADO.
|
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam os Desembargadores integrantes da
Oitava Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em dar
parcial provimento ao apelo.
Custas na forma da lei.
Participaram do julgamento, além do
signatário (Presidente), os eminentes Senhores Des. Luiz Felipe Brasil Santos e
Des. Ricardo Moreira Lins Pastl.
Porto Alegre, 06 de dezembro de 2012.
DES. RUI PORTANOVA,
Relator.
portanova@tj.rs.gov.br
RELATÓRIO
Des. Rui Portanova (RELATOR)
Trata-se de apelo interposto por LAURA
contra sentença que julgou parcialmente procedente a ação de substituição de
guarda, exoneração de alimentos, com pedido subsidiário de alteração de
visitas, obrigação de fazer e redução de alimentos ajuizada por MARIO.
A apelante alegou descabida a imposição
de tratamento psiquiátrico ou psicológico para ela e para a filha. Disse
descabida a redução dos alimentos devidos pelo apelado à filha. Teceu considerações
sobre a regulamentação de visitas. Asseverou equivocada a distribuição igualitária
dos ônus sucumbenciais, e diminuto o valor fixado a título de honorários. Pediu
a reforma da sentença.
Vieram contrarrazões, postulando a
manutenção da decisão.
O Ministério Público opinou pelo parcial
provimento do apelo.
Registro que foi observado o disposto nos
artigos 549, 551 e 552, do Código de Processo Civil, tendo em vista a adoção do
sistema informatizado.
É o relatório.
VOTOS
Des. Rui Portanova (RELATOR)
TRATAMENTO
PSICOLÓGICO.
A sentença determinou que as duas partes,
assim como a filha comum, passassem a se submeter a tratamento psiquiátrico ou
psicológico, pelo prazo inicial de 02 anos.
No ponto, a apelante LAURA pediu a
reforma da sentença, sob alegação de que não haveria tal necessidade.
Mas sem razão, como bem delineou o agente
ministerial que atua junto a este grau de jurisdição:
As
partes continuam lançando acusações recíprocas, demonstrando séria animosidade,
quando o recurso sequer trata da guarda e visitação da infante.
Aliás,
o pedido feito em contrarrazões, de deferimento da guarda ao pai, ao menos
compartilhada (fl. 1.181), sequer merece apreciação, porquanto obviamente
desafiava recurso próprio.
E a
extrema beligerância existente entre os genitores da criança, que causa enormes
malefícios à menor, conforme já bem elucidado na sentença (fls. 1.147/1.148
v.), é que recomenda a manutenção do acompanhamento terapêutico, sob pena de
violação do melhor interesse da infante.
Insta consignar que, embora nos pedidos
finais do recurso tenha constado “cassar a determinação de tratamento psicológico/psiquiátrico
da recorrente e sua filha Betina” (sic. fl. 1.168), vê-se da fundamentação do
apelo que a insurgência é apenas quanto ao acompanhamento da apelante, tanto
que o título do tópico é “Tratamento psicológico para a apelante” (sic. fl.
1.166). Logo, por motivos óbvios, sequer cogitamos a possibilidade de cessação
do tratamento da pequena Betina.
Atinente
à genitora também não lhe assiste razão, uma vez que o litígio instaurado não
terá fim se as partes não se conscientizarem dos prejuízos emocionais causados à
filha, solução que certamente se obterá com mais rapidez se ocorrer
acompanhamento profissional especializado.
Ademais, embora não confirmada a alienação
parental são robustos seus indícios, não restando outra saída senão a submissão
dos pais a tratamento psicológico/psiquiátrico. Aliás, a Lei nº 12.318/2010,
que regula o instituto, dispõe em seu art. 6º:
“Art. 6o Caracterizados atos típicos de
alienação parental ou qualquer conduta que dificulte a convivência de criança
ou adolescente com genitor, em ação autônoma ou incidental, o juiz poderá,
cumulativamente ou não, sem prejuízo da decorrente responsabilidade civil ou
criminal e da ampla utilização de instrumentos processuais aptos a inibir ou
atenuar seus efeitos, segundo a gravidade do caso:
(...)
IV - determinar acompanhamento psicológico e/ou
biopsicossocial;
(...)”.
Veja-se que, lá pelas tantas do depoimento
da criança, esta afirma que não havia ‘apanhado de relho ou de laço’ da atual
esposa do varão, sendo que Foi minha mãe que pediu para eu dizer isso (sic, fl.
542).
Daí por
que se fala em indícios de alienação parental.
Portanto,
ainda que não concretizada a síndrome, são patentes os “atos típicos de alienação
parental”, como reza a Lei, devendo ser aplicada a medida de acompanhamento
terapêutico à entidade familiar. (fls. 1.209 e verso)
Por isso, no ponto o apelo vai
desprovido.
ALIMENTOS.
A sentença reduziu os alimentos devidos
pelo pai/apelado à filha, de 05 para 04 salários-mínimos.
No ponto, a apelante quer a reforma da
sentença, sob alegação de que não haveria prova de redução nas possibilidades
do alimentante, e também de que a resolução da questão patrimonial (partilha)
entre ambos, não teria reflexo e nem impacto na questão alimentar da filha.
No ponto a apelante tem razão, como bem
destacou o agente ministerial que atua junto a este grau de jurisdição:
Acrescenta a insurgente, que não se conforma com a redução
dos alimentos, de 05, para 04 salários mínimos em prol da infante.
O encargo original foi fixado em 2005 quando da dissolução
da união estável entre o casal genitor, oportunidade em que o varão também se
comprometeu a adquirir um apartamento, que ficaria em nome da filha com
usufruto em prol da ex-companheira (fls. 372/373).
No tópico relativo ao apartamento constou: “quanto à
partilha de bens, concorda o autor em adquirir um apartamento no valor de R$
160.000,00, à escolha da requerida (...)” (sic. fl. 372).
Conclui-se, pois,
que na avença que tratava da separação do casal, um tópico foi sobre os
alimentos e outro, totalmente independente, foi acerca da partilha de bens. Um
e outro direito não se confundem, mormente porque o primeiro é em favor da
filha e o segundo, da mulher.
O apelado consentiu com
o pagamento dos alimentos em 05 salários mínimos, mais a aquisição do imóvel. Se no quantum estava incluída despesa
de aluguel, assim deveria ter constado do acordo. Como nada foi previsto nesse
sentido, presume-se que a obrigação alimentar foi livremente estipulada e de
forma independente da partilha de bens entre os pais da criança.
Assim, o fato de o varão ter adquirido o apartamento (fls.
60/62) em nada altera o direito alimentar da filha, apenas implicando quitação
perante a ex-companheira.
Ademais, as despesas de
Betina, em que pese seus 09 anos (fl. 34), são bastante elevadas, pois gasta
altas somas a título de psicóloga (fls. 526; 1.072/1.073), inclusive, estudando
em colégio particular de renome na cidade (fl. 1.043), frequenta inúmeras
atividades extracurriculares (fls. 1.055/1.061), tem babá (fl. 1.063), faz uso
de serviço de transporte escolar (fl. 1.050), além dos demais dispêndios básicos
e inerentes a qualquer criança (vestuário, lazer, material escolar, etc.).
Outrossim, em nenhum momento o genitor alega decaimento em
seu poderio econômico, aparentemente tendo plenas condições de alcançar os R$
3.110,00 (05 SM) para custeio das despesas da filha.
Destarte, anuindo com o entendimento do Ministério Público
em primeira instância (fl. 1.143), somos pela manutenção da verba alimentar no
quantum original. (fls. 1.210 e verso)
Assim, no ponto o apelo vai provido, para
o fim de revogar a parte da sentença que reduziu o valor dos alimentos.
VISITAS.
A sentença acolheu pedido do pai/apelado
e regulamentou as visitas dele à filha.
No ponto, a mãe/apelante apelou.
Mas no tópico específico sobre a questão,
ela iniciou dizendo:
As visitas foram regulamentadas na decisão, mas em nenhum
momento houve qualquer irresignação da apelante contra elas ou a sua
regulamentação. (fl. 1.165)
Ao final, ainda nesse tópico das razões
de apelação relativo às visitas, ela referiu:
Por isso, não é justo que seja a apelante penalizada, em
termos de sucumbência, como se houvesse discutido e sido vencida no
estabelecimento, na forma e amplitude das visitas. (fl. 1.165)
Contudo, na parte final da petição de
apelação, na parte em que alinhados os pedidos recursais, a apelante referiu:
Em face de todo o acima exposto, vindica a apelante seja
revisada a decisão ora impugnada, para o efeito de 1)- reconhecer a total
improcedência dos pedidos formulados pela parte adversa, inclusive mantendo as
visitas como antes regulamentadas (...). (fl. 1.168)
Da leitura da fundamentação recursal, e
dos pedidos alinhados ao final do apelo, estou interpretando que a apelante não
tem qualquer insurgência contra a regulamentação das visitas procedida pela
sentença.
O agente ministerial concorda com essa
interpretação:
Ainda, no final do recurso, há pedido de “manutenção das
visitas como antes regulamentadas” (fl. 1.168), enquanto na fundamentação do
apelo a recorrente afirma que “em nenhum momento houve qualquer irresignação da
apelante contra elas (visitas) ou a sua regulamentação” (sic. fl. 1.165).
Logo, presume-se que Laura não recorre da forma como
estipulado o regime de visitação, visto que quanto ao ponto não tece qualquer
argumentação. (fl. 1.210)
A leitura do apelo, no ponto, enseja
conclusão de que a inconformidade da apelante é com a distribuição dos ônus
sucumbenciais – sendo que a alegação dela, de que não se irresignou com as
visitas, veio como “causa de pedir” da reforma da sentença, na parte em que
distribuídos os ônus sucumbenciais.
A questão relativa a distribuição dos ônus
sucumbenciais vai resolvida no tópico seguinte.
DISTRIBUIÇÃO
DA SUCUMBÊNCIA.
A sentença reconheceu sucumbência recíproca
entre as partes, pelo que condenou cada um ao pagamento de metade das custas
processuais, e ao pagamento de honorários aos patronos da parte adversa,
fixados estes em R$ 1.200,00, admitida a compensação.
A apelante se insurgiu contra a distribuição
igualitária dos ônus sucumbenciais, bem assim contra o valor fixado a título de
honorários.
E adianto, com razão.
Guardada a devida vênia, contabilizando
vitórias e derrotas de cada uma das partes neste processo, não se verifica
adequada a distribuição igualitária da sucumbência.
Com efeito, na inicial o pai pediu a
reversão da guarda para ele, e a consequente exoneração dos alimentos. Esses
dois pedidos ele perdeu.
De forma subsidiária, o pai pediu
regulamentação das visitas. E sobre isso, como visto, nunca houve qualquer
resistência e nem insurgência da mãe/apelante.
O pai pediu ainda a redução dos
alimentos. A sentença acolheu esse pedido. Mas a presente decisão está
reformando esta parte da sentença. Ou seja, o pai também restou derrotado no
pedido de redução de alimentos.
Por fim, o pai pediu fossem à mãe e a
filha submetidas a tratamento psiquiátrico ou psicológico. E esse foi o único
pedido dele, contra o qual a mãe se insurgiu, e que ao final foi acolhido.
Assim, tendo o pai/apelado decaído em
parte maior, deve a distribuição da sucumbência observar isso, na proporção de
70% para o apelado e 30% para a apelante, como bem destacou o agente ministerial:
Por derradeiro, atinente à sucumbência, vale esclarecer que
os pedidos iniciais do autor foram: guarda, regulamentação de visitas, obrigação
de frequentar acompanhamento psicológico e redução dos alimentos.
Parece-nos que apenas no tocante ao tratamento terapêutico é
que foi vencedor o autor. Quanto à guarda e os alimentos parece-nos ter
sucumbido.
Concernente à visitação também não obteve êxito o autor,
pois na contestação a recorrente manifestou que “a matéria deveria ser objeto
de avaliação mais adiante” (fl. 515), tendo em memoriais referido que a questão
das visitas já se resolveu (fl. 1.138), pedindo que ocorram “com regularidade”
e com alternância entre as datas comemorativas (fl. 1.132). Exatamente como
decidido em sentença.
Destarte, o autor decaiu em parte maior dos pedidos, pois não
obteve a guarda e tampouco a redução dos alimentos, mas apenas foi vitorioso
quanto ao comprometimento com o tratamento psicológico, não sendo a visitação
questão controvertida.
Assim, deve ser reajustada a sucumbência, na proporção de
70% ao encargo do varão e 30% às custas da apelante. (fls. 1.210, verso, e
1.211)
Em relação ao valor dos honorários, por
igual tem razão a apelante.
Realmente, R$ 1.200,00 não remuneram de
forma digna o longo e exaustivo trabalho realizado neste processo, como referiu
o agente ministerial:
Igualmente, com razão a insurgente com relação ao pedido de
majoração dos honorários, porquanto os R$ 1.200,00 fixados em sentença parecem
módicos frente ao trabalho desenvolvido em 05 anos de processo, que se
desenrolou em 06 volumes, com enfrentamento de tão delicada matéria. (fl.
1.211)
Por isso, de rigor majorar o valor dos
honorários, respeitando a proporção de 70% - 30% dos ônus sucumbenciais, sendo
R$ 3.500,00 a serem pagos pelo apelado aos patronos da apelante, e R$ 1.500,00
a serem pagos pela apelante aos patronos do apelado, admitida a compensação.
ANTE O EXPOSTO, dou provimento ao apelo,
para o fim de revogar a redução dos alimentos operada pela sentença, bem assim
para redistribuir os ônus sucumbenciais e fixar os honorários advocatícios, nos
moldes da fundamentação retro.
Des. Luiz Felipe Brasil Santos (REVISOR) - De acordo com o(a) Relator(a).
Des. Ricardo Moreira Lins Pastl - De acordo com o(a) Relator(a).
DES. RUI PORTANOVA - Presidente - Apelação Cível nº 70049432305,
Comarca de Uruguaiana: "DERAM PARCIAL PROVIMENTO.
UNÂNIME."
Julgador(a) de 1º Grau: MICHELE SOARES
WOUTERS
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