Vice-presidente do Instituto Proteger
Laura Affonso da Costa Levy[1]
[1] Vice-presidente do Instituto proteger; Mestranda em Aspectos
Bioéticos e Jurídicos pela UMSA/AR; Especialista em Bioética pela PUC/RS,
Especialista em Direito Civil - ênfase em Direito de Família e Sucessões, pela
Faculdade IDC; Professora de pós-graduação em Direito de Família e Sucessões.
Como ensina a eminente professora
Heloisa Helena Barboza, todas as pessoas, em princípio, são vulneráveis, se
partir de uma análise do próprio conceito de vulnerabilidade – do latim vulnerabilis,
“que pode ser ferido”. O fato é que qualquer ser vivo “pode ser ‘vulnerado’ em
condições contingenciais”.[1]
Tal vulnerabilidade, evidentemente,
apresenta gradações que observam relação direta com as potencialidades do
indivíduo: certos grupos sociais, como, por exemplo, os idosos, crianças e
adolescentes, por determinadas condições socioeconômicas ou psicofísicas, se
encontram em condição de negativa desigualdade em relação aos demais, o que os
torna vítimas em potencial, ou seja, estão inevitavelmente submetidos a uma
constante situação de risco.
A vulnerabilidade, assim, é essa
condição, na qual o risco deixa de ser uma hipótese eventual para se tornar uma
realidade constante e concreta na existência do indivíduo. A pessoa que se
encontra nessa condição “está impedida ou tem diminuída a possibilidade de
exercer seus direitos”, e, por essa razão, “necessita de proteção especial”.[2]
É, em síntese, um estado de
impossibilidade de realização da Dignidade da Pessoa Humana, na configuração
que apresenta a professora Maria Celina Bodin de Moraes:
“O substrato
material da Dignidade assim entendida pode ser desdobrado em quatro postulados:
i) o sujeito moral (ético) reconhece a existência de outros como sujeitos
iguais a ele, ii) merecedores do mesmo respeito à integridade psicofísica de
que é titular; iii) é dotado de vontade livre, de autodeterminação; iv) é parte
do grupo social, em relação ao qual tem a garantia de não vir a ser
marginalizado. São corolários desta elaboração os princípios jurídicos da igualdade,
da integridade física e moral – psicofísica -, da liberdade e da
solidariedade.” [3]
Ainda, nesse contexto, Ricardo Pereira
Lira leva à reflexão no sentido de que a atribuição do Estado não é de
favorecimento a grupos sociais específicos, mas de retificação das
circunstâncias de desfavorecimento:
“A
Constituição de 1988 estabelece que a República tem como fundamento a Dignidade
da Pessoa Humana, declara que é objetivo fundamental dessa mesma República
erradicar a pobreza e a marginalização, bem como reduzir as desigualdades
sociais. [...] Dessa forma esses princípios fundamentais presidem toda a
interpretação e aplicação do direito infraconstitucional, de forma a conduzi-lo
à equidade e à Justiça Social. Esses princípios fundamentais estão acima dos próprios
Princípios Gerais de Direito de que cuida a Lei de Introdução ao Código Civil,
como processos de integração e suprimento das lacunas do Ordenamento.”[4]
Assim, é dever do Estado-Juiz assumir o
papel de corretor das injustiças que culminam na vulnerabilidade de qualquer
grupo social. A Ciência Jurídica, dessa forma, não pode se restringir ao estudo
da norma rígida, engessada. Superada, hoje, a dissociação feita por Kelsen
entre o Direito e a noção de Justiça, sabe-se que cientificidade não tem necessariamente
a ver com não-valoração, uma vez que o Direito é, também, ciência eminentemente
humana.
Não se pode deixar de observar o fato
social porque não se pode abrir mão da busca da Justiça no estudo do Direito. É
dela que ele deriva. Nesse sentido, faz-se coro com o conceito jusnaturalista
de que o Direito é intrínseco à sociedade e anterior à Norma, e, mais ainda,
superior a ela. A investigação científica da Justiça, baseada nos valores
sociais do que é ou não justo ou ético, é necessariamente o ponto de partida da
hermenêutica jurídica.
Como ensina Bobbio, o Direito Natural é
o conteúdo valorativo e essencial da formação das normas do Direito Positivo[5]
e, por isso, deve buscar a integração entre os conceitos de ética e justiça e a
aplicação da norma jurídica positivada na legislação.
A efetividade social da jurisdição depende da sua adequação à realidade fática e, além disso, à percepção social dessa realidade. Assim, novas circunstâncias na esfera social demandam novas perspectivas nas leituras dos enunciados normativos, já que é na prática jurisdicional que a inteligência interpretativa do operador do Direito pode encontrar soluções para os conflitos sociais com mais eficiência e tempestividade que o sempre lento e, muitas vezes, falho processo legislativo.
É com este olhar que trabalha o Instituto proteger. Visualizando nos grupos da criança, adolescente e idoso grau elevado de vulnerabilidade a ponto de merecer atenção especial e integral por parte do Estado, família e sociedade.
Englobando, desta forma, sujeitos que a
priori estariam em polos tão opostos da idade biológica e cronológica, mas tão
próximos no que se refere ao grau de atenção, cuidado e prioridade.
Referências:
BARBOZA, H. H. Vulnerabilidade e
cuidado: Aspectos Jurídicos. In: PEREIRA, T. D. S.; OLIVEIRA, G. D. Cuidado
e Vulnerabilidade. São Paulo: Atlas, 2009.
BOBBIO, Norberto. El Problema del Positivismo Jurídico.
México:
BEFDP, 1999.
LIRA, Ricardo Pereira. A Aplicação do Direito e a Lei Injusta. Revista da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, n. 5, 1997.
MORAES, M. C.
B. D. O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. In: MORAES, Maria Celina
Boldin de. Na Medida da Pessoa Humana: Estudos de Direito
Civil-Constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2010b.
[1] BARBOZA, H.
H. Vulnerabilidade e cuidado: Aspectos Jurídicos. In: PEREIRA, T. D. S.;
OLIVEIRA, G. D. Cuidado e Vulnerabilidade. São
Paulo: Atlas, 2009.
[3] MORAES, M. C. B. D. O Princípio da Dignidade da Pessoa
Humana. In: MORAES, Maria Celina Boldin de. Na Medida da Pessoa Humana: Estudos
de Direito Civil-Constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2010b.
[4] LIRA, Ricardo Pereira. A Aplicação do Direito e a Lei
Injusta. Revista da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de
Janeiro, n. 5,
1997.
[5] BOBBIO, Norberto. El Problema
del Positivismo Jurídico. México: BEFDP, 1999.
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