Conselheira Consultiva do Instituto Proteger
Lenita Pacheco Lemos Duarte[1]
[1] Psicóloga, Psicanalista.
Autora dos livros “A guarda dos filhos na
família em litígio. Uma interlocução da Psicanálise com o Direito. Lumen Juris Editora. 4ª Edição, Rio de
Janeiro, 2012 e A angústia das crianças
diante dos desenlaces parentais, Lumen Juris Editora, Rio de Janeiro, 2013.
Autora de diversos artigos publicados em Revista de Psicanálise e Direito.
Os sujeitos crianças diante da alienação
parental
Lenita
Pacheco Lemos Duarte[1]
Os divórcios e separações embora
sejam, em certa medida, traumáticos, o modo como os interpreta e se pode
abordá-los que ocasionará distintas consequências nas subjetividades dos
ex-cônjuges e seus filhos, principalmente quando há disputas emocionais e
judiciais em torno da guarda e convivência com a prole. Nessas situações se
observam conflitos subjetivos que escapam ao ordenamento jurídico gerando
questões complexas para os ex-cônjuges, assim como para os sujeitos crianças
totalmente dependentes e vulneráveis quanto aos discursos e atos de seus pais e
operadores jurídicos.
Nos litígios familiares é possível constatar que a
instituição da guarda unilateral tende a trazer sofrimento, angústia e
distúrbios emocionais para os filhos quando um dos cônjuges, por diversos e
inúmeros motivos, passa a evidenciar atitudes hostis e agressivas que
inviabilizam o contato das crianças com o outro genitor, causando a situação de
“alienação parental”. Como vem sendo apresentada atualmente na mídia e na
esfera jurídica, a referida situação se caracteriza por uma ligação de
acentuada dependência e submissão dos filhos ao genitor (pai, mãe ou um substituto)
que detém sua guarda, dito “alienador”, o qual dificulta ou mesmo impede o
contato entre o genitor "visitante" e àqueles, objetivando afastar e destruir
o vínculo afetivo entre eles. Tal conduta é reforçada por falas depreciativas e
humilhantes em relação ao genitor "não guardião", foco e objeto de
sentimentos de ódio, ressentimentos e necessidade de vingança do guardião, o
que contribui para fragilizar emocionalmente e diminuir a auto-estima das
crianças, provocando-lhes medo, insegurança, inibições, e até horror em
aproximar-se do "genitor alienado”.
Quando se
iniciam disputas emocionais e judiciais em torno da guarda, muitas vezes
associada à ideia de posse dos filhos, acirram-se os ânimos entre os
ex-cônjuges, os quais se utilizam de diversos tipos de estratégias para
provarem sua superioridade e poder, como ameaças e mecanismos de força para
coagir o (a) outro (a) e, dessa forma, oprimem e agridem os que estão ao seu redor,
sem medir os efeitos de suas atitudes e verbalizações, principalmente sobre a
subjetividade das crianças. É como se fosse um campo de batalhas em que cada um
dos ex-cônjuges tenta suplantar o outro colocado na posição de inimigo a ser
vencido e, desse modo, declarar-se vitorioso, enquanto o outro vira um perdedor
subjugado aos caprichos e desejos mais vingativos e tirânicos do “guardião”.
Em muitos
casos, a prática da alienação parental se apresenta no cotidiano das relações
parentais, quando alguns guardiões tendem a acreditar que têm um poder acima
dos preceitos legais, manipulando situações e determinando o que deve ser feito
ao filho e ao ex-parceiro, ignorando assim o que foi determinado judicialmente.
Nas famílias recompostas e reconstituídas, com a formação de novas alianças
afetivo-sexuais, os novos parceiros podem influenciar o guardião a humilhar e
afastar o outro genitor das crianças e familiares, vistos como “adversários”.
Em geral,
o desejo das crianças é juntar os pais separados, e os sentimentos delas com
relação aos genitores são os mais diversos possíveis. Quando o genitor
“alienador” passa a destruir a imagem do outro perante aos filhos, seja com
comentários sutis, desagradáveis ou abertamente hostis, reforçado pelo apoio de
familiares, novo cônjuge, advogados, amigos, entre outros, ele acaba por
provocar insegurança, dúvidas e incertezas nos filhos, que precisam, muitas
vezes, se calar, sufocando suas emoções e convicções com relação ao outro genitor,
ainda amado, para não desagradar ou mesmo ferir o “guardião” que os mantém sob
seu controle. Também podem passar a odiar e rejeitar o (a) “alienado”,
repetindo as mesmas falas e reproduzindo os sentimentos do guardião “alienador”,
considerando-o uma ameaça.
É importante lembrar que o “alienador” ao abusar do
poder parental, busca persuadir de todas as formas seus filhos a acreditarem em
suas crenças, conseguindo impressioná-los e levá-los a se sentirem amedrontados
e ameaçados na presença do “não-guardião”, levando-os a apresentar “falsas percepções
e memórias”, ou seja, eles passam a acreditar nas falas mentirosas dos
“alienadores” que têm o poder e representam a autoridade para aqueles que
aceitam suas informações como verdades absolutas, o que deixará marcas em suas
subjetividade. Nessa mesma direção, ocorrem as “falsas denúncias de abuso
sexual” dos filhos levadas ao âmbito jurídico, que buscam bloquear os vínculos
amorosos entre as crianças e o não guardião. Ao não verem mais o outro genitor
e sem compreenderem as razões do seu desaparecimento, elas sentem-se abandonadas,
traídas e rejeitadas, não querendo mais vê-los, e o pior, sentem-se também
desamparados, precisando de atendimento psicológico.
Nos litígios judiciais, em que as situações saem do
âmbito particular, familiar e acabam submetidas ao controle e poder público do
Estado, é possível encontrar certa confusão nos vínculos de parentesco e
conjugalidade. Cabe ressaltar que a união conjugal pode ser desfeita, mas não
se desfaz o vínculo filial. Em muitos casos, temos um sujeito criança/
adolescente numa situação difícil, ficando como “joguete, marionete” ou mesmo
um “escudo ou troféu” nas relações conturbadas entre os genitores. Ele pode se sentir
responsável pela separação ou divórcio dos pais ou então atribuir a culpa a um
deles, não querendo mais vê-lo. Poderá ainda se sentir promovido a guardião dos
pais ou, até mesmo, protetor e fiscal do pai ou da mãe, além de apresentar
angústia e conflitos de lealdade que podem desencadear várias reações
sintomáticas, como inibições intelectuais, agressividade, depressão, fobias,
somatizações, entre outras.
Como os
pais querem vencer, em geral, não se importam com as ”armas” desse embate, e é
nesse fogo cruzado que se encontram as crianças que, sem condições de
entenderem o que se passa entre seus pais, são colocadas como vítimas,
testemunhas e protagonistas de histórias familiares que não escolheram, e que
as fazem sofrer. Embora nem sempre
necessariamente consciente, o processo de “alienação parental” por parte do
guardião pode facilitar o uso perverso das crianças em diversos processos
litigiosos, afastando-as do não guardião e outros parentes.
Quando os ex-cônjuges entram em conflitos e assumem posições
inflexíveis e atitudes de vingança usando os filhos como objetos, acabam por
comprometer os vínculos afetivos paterno-filiais que causa mal-estar e angústia
para a criança/adolescente. Nessa direção, chegou oportunamente ao ordenamento
jurídico a Lei 12.318/10, que dispõe sobre a Alienação parental. Esta traz em
seu conjunto possibilidades específicas de regramento
e instrumentos que auxiliam a inibir e punir o alienador parental. O
legislador se refere à alienação induzida por um dos genitores ou substitutos
que efetivamente impedem a convivência entre os filhos e o outro genitor e a
família deste.
Ao destacar exemplos genéricos de alienação parental, a
norma releva o poder discricionário do juiz que poderá identificar e apontar
vários atos percebidos no contato com as partes e/ou constatados por perícias
interdisciplinares relativas à alienação parental. A título de exemplo, além
das situações descritas anteriormente, somam-se outras, como a omissão
deliberada ao não guardião de informações pessoais relevantes sobre os filhos,
inclusive médicas, escolares - embora esta última tenha sido regulamentada -,
alterações de endereços, mudança de domicílio para local distante, sem
justificativa, sempre com o mesmo objetivo, ou seja, dificultar a convivência
entre as crianças e o genitor alienado, seus familiares e amigos. O novo
dispositivo destaca que a prática, cada vez mais utilizada, de alienação
parental provoca a exposição da criança/adolescente à violência psicológica,
seja praticada no meio familiar ou pela sociedade, ferindo os direitos
fundamentais daqueles, como o direito à integridade física, mental e moral e à
convivência familiar, todos de suma importância para o desenvolvimento
harmonioso daqueles. Nesse sentido, o direito à convivência familiar (art. 227,
Constituição Federal/1988) na ordem constitucional do Brasil impõe
primordialmente ao Estado, ao lado da família e da sociedade, o dever de
garantir aos filhos o referido direito. Para corroborar esse direito, a
utilização de técnicas de mediação familiar pode ser muito útil nos casos em
que há alienação parental, ao facilitar a comunicação e cooperação entre os ex-cônjuges, com a
tomada de consciência que cada um possui de seus interesses e necessidades, ouvindo o outro em um clima de empatia
e cordialidade, com chances de se obter acordos conjuntos, possibilitados pela
presença de um mediador experiente e aceito por ambos os participantes.
A Lei n°
11.698/2008, que introduziu o instituto da Guarda Compartilhada, tão debatida e
requerida por vários anos por associações de pais, profissionais de várias
áreas do saber, enfim, pela sociedade civil que, mesmo mantendo a guarda
unilateral, veio para destacar e reforçar a convivência familiar dos filhos
após a separação dos pais, e a igualdade de direitos e obrigações destes quanto
às decisões sobre os filhos, que deve ser conjunta, mesmo quando há litígio.
Tal ressalva tem como objetivo acabar com os atos abusivos e a manipulação do
poder que costuma ter o guardião na guarda unilateral, o qual desconsidera a criança
como sujeito de direito e desejo.
[1] Psicóloga, Psicanalista.
Autora dos livros “A guarda dos filhos na
família em litígio. Uma interlocução da Psicanálise com o Direito. Lumen Juris Editora. 4ª Edição, Rio de
Janeiro, 2012 e A angústia das crianças
diante dos desenlaces parentais, Lumen Juris Editora, Rio de Janeiro, 2013.
Autora de diversos artigos publicados em Revista de Psicanálise e Direito.
Muito bom texto. Parabéns Lenita.
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