Melissa Telles Barufi[1]
Laura Affonso
da Costa Levy[2]
1.
Introdução
É cediço o
dever das escolas em garantir o pleno acesso e disponibilizar os dados aos
genitores das crianças independentemente do vínculo da conjugalidade. Todavia, corriqueiramente,
escritórios de advocacia que atuam na área familista se deparam com repetidos
casos em que as instituições de ensino insistem em praticar condutas contrárias
a esta ordem.
Desta forma, necessário
se faz abordar o tema do amplo dever de informação das escolas para com os
pais, passando pela análise legislativa que ampara este dever e os princípios
constitucionais que permeiam a matéria, agrupados no Princípio do Melhor
Interesse.
2. O poder parental
A
tradicional expressão “Pátrio Poder” foi cedendo lugar a novas denominações,
como: poder parental e poder de proteção. Este poder deve ser exercido
no superior interesse do menor, deixando de ser um poder para se tornar um
dever, uma responsabilidade.
Assim, o
poder parental, é um conjunto incindível de poderes-deveres, que deve ser
altruisticamente exercido à vista do integral desenvolvimento dos filhos, até
que esses se bastem em si mesmos. Sendo pai e mãe conjunta, igualitária e
simultaneamente, os sujeitos ativos do exercício do poder parental, como efeito
da paternidade e da maternidade e não do matrimônio ou da união estável.
A partir
da Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança (1989), a questão do
interesse da criança em conservar relações pessoais com ambos os pais passa a
ser reconhecida como direito.
A nova Lei
Civil trouxe, de forma clara, ao pai e à mãe o exercício conjunto do poder
familiar, em seus artigos 1.631 e 1.634, que antes só se encontrava um respaldo
no Estatuto da Criança e do Adolescente, assegurando aos pais, na separação
judicial, no divórcio e na dissolução da união estável, terem seus filhos em
sua companhia.
Desta sorte, o
poder familiar não se confunde com a guarda, e tampouco é afetado pela
separação, divórcio ou dissolução da convivência dos pais. Este instituto tem
sua origem na razão natural dos filhos necessitarem de cuidado, com a absoluta
dependência desde seu nascimento e reduzindo esta na medida de seu crescimento,
desligando-se os filhos da potestade dos pais quando atingem a capacidade
cronológica com a maioridade civil, ou através da sua emancipação.
O artigo 229 da
Constituição Federal mostra o conteúdo do poder familiar, ao prescrever como
deveres inerentes aos pais os de assistir, criar e educar os filhos menores,
sendo secundado pelo artigo 22 do Estatuto da Criança e do Adolescente, quando
estabelece ser incumbência dos pais o dever de sustento, guarda e educação dos
filhos menores.
3. A guarda material e a
guarda jurídica: suas distinções
Após a
ruptura conjugal há um desdobramento da guarda. Tal desdobramento enfraquece de
certa forma o poder familiar do genitor que fica impedido do amplo exercício do
seu direito, com a mesma intensidade e na mesma medida que o outro, o
guardador.
Aquele dos
genitores a quem é atribuída a guarda, como observa Orlando Gomes tem-na não
apenas a material, mas também a jurídica. A primeira consiste em
ter o filho em companhia, vivendo com ele sob o mesmo teto, em exercício de
posse e vigilância. A segunda implica o direito de reger a pessoa dos filhos,
dirigindo-lhe a educação e decidindo todas as questões do interesse superior
dele, cabendo ao outro o direito e dever de fiscalizar as deliberações tomadas
pelo genitor a quem a guarda foi atribuída.[3]
Assim, a
guarda jurídica é exercida a distância pelo genitor não-guardião. A guarda
material, ou física, prevista no artigo 33, § 1º, do ECA realiza-se pela
proximidade diária do genitor que conviva com o filho.
A ruptura conjugal cria a família monoparental e a
autoridade parental, até então exercida pelo pai e pela mãe, acompanha a crise
e se concentra em um só dos genitores, ficando o outro muitas vezes reduzido a
um papel verdadeiramente secundário (visita, alimentos, fiscalização). Quer
isso dizer que um dos genitores exerce a guarda no âmbito da atuação prática,
no cuidado diário e outro conserva as faculdades potenciais de atuação.
Assim, surgem
os conflitos em relação à guarda de filhos de pais que não mais convivem.
Cumpre ao legislador e ao Judiciário o dever de estabelecer as soluções que
privilegiem a manutenção dos laços, eliminando a dissimetria dos papéis
parentais.
Portanto, o
fato do genitor não possuir a guarda do filho, não resta prejudicado para
exercer o poder familiar que, inclusive, deixando de fazer estará praticando
crime tipificado no Código Penal, como: abandono material, artigo 244; abandono
intelectual artigo 245; abandono moral artigo 247; abandono de incapaz artigo. 133;
abandono de recém nascido artigo. 134.
4. Do melhor interesse
A partir da Constituição de 1988,
o Brasil passa a ser signatário da Doutrina da Proteção Integral. A criança,
antes sujeito de necessidades, adquire a condição de sujeito de direitos. Neste sentido,
vistos como detentores de dignidade subjetiva merecendo especial atenção a fim
de efetivamente receber proteção e reconhecimento como “Sujeito de Direitos” de
“Prioridade Absoluta”.
A respeito desses direitos
fundamentais, o Estatuto traz consubstanciado no art. 4º, 7º e no caput do
art. 19 o direito à vida, saúde e convivência familiar e comunitária.
5. Do dever de informação
das Instituições de Ensino
Em 2009 foi promulgada a Lei
12.013, que alterou o art. 12 da Lei de Diretrizes e Bases, garantindo o direito de pais,
conviventes ou não com seus filhos, receberem informações quanto a freqüência e
rendimentos dos alunos, bem como sobre a execução da proposta pedagógica da
escola.
Assim, assegurar ao pai não-guardião o acesso às
informações escolares do filho é, antes de tudo, um direito da criança e do
adolescente a garantir-lhe o desenvolvimento e preparo para o exercício da
cidadania.
Os diretores das escolas que não
compartilham e até proíbem o acesso às informações acerca do rendimento escolar,
dia e horário de reuniões, festas comemorativas e senhas de acesso a páginas
eletrônicas que constam dados do aluno, estão demonstrando confusão entre os
institutos da guarda e poder familiar anteriormente abordados, além do
descumprimento de ordem legal.
Desta forma, pela falta de
conhecimento da legislação vigente e insensibilidade, as escolas brasileiras
seguem descumprindo com o preceito maior de proteção e atenção às crianças e
adolescentes. Com a
alteração trazida pela Lei 12.013 de 2009, as instituições estão obrigadas a
fornecer informações escolares aos pais, conviventes ou não com seus filhos. Desta
maneira, deveriam se posicionar a fim
de contribuir para que os filhos tenham seus genitores mais próximos, em
consonância com a política da paternidade responsável e garantindo o direito de
convivência familiar saudável.
A escola deve ser
um instrumento de efetivação de desenvolvimento sadio, oferecendo a cada um dos
pais o espaço para fazer parte da escola, compartilhar e dialogar nas tomadas
de decisões.
De nada nos
adianta lei esquecida ou desviada do seu propósito. Conforme elucida Marcos
Duarte,
Ressalta-se que, apesar de toda a
preocupação em se positivar direitos relativos aos menores de idade, o que se
observa na prática é a constante violação desses direitos, estando ainda essa
classe da população sofrendo frontais discriminações. O Brasil, (...) em que
pese possuir leis internacionais e ser signatário de todos os tratados
internacionais de proteção à criança, ainda se encontra distante de, na prática,
atribuir às suas crianças a qualidade de sujeitos de direito.[4]
6. Conclusão
As transformações, os
questionamentos, as direções por que passam a sociedade obrigam os
profissionais, instituições e grupos sociais a pesquisar, discutir, orientar-se
e atualizar-se quanto aos aspectos sociais, jurídicos, psicológicos e
institucionais dessas mudanças. Os ordenamentos jurídicos devem refletir a
realidade social e corresponder o melhor possível às necessidades e demandas
que essa sociedade impõe. Resta-nos efetivar estes direitos e possibilitar o concreto
desenvolvimento da criança e adolescente.
7. Referências
DUARTE, Marcos. Alienação Parental: restituição
internacional de crianças e abuso do direito de guarda. Leis & letras,
2010.
GOMES, Orlando. Direito de família. 4. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 1981.
[1] Advogada familista do
escritório Telles e Dala Nora advogados, especializada em Direito de família e
sucessões, palestrante convidada da Escola Superior de Advocacia do Estado do
Rio Grande do Sul.
[2] Advogada; Mestranda em Aspectos
Bioéticos e Jurídicos pela UMSA - Universidad del Museo Social Argentino;
Especialista em Bioética pela PUC/RS, Especialista em Direito Civil - ênfase em
Direito de Família e Sucessões, pela Faculdade IDC. Membro da Sociedade
Rio-Grandense de Bioética SORBI. Membro do Núcleo de Estudos de Bioética da
Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul AJURIS; Parecerista e Consultora
Jurídica.
[3] GOMES, Orlando. Direito
de família. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1981, p. 281.
[4] DUARTE, Marcos.
Alienação Parental: restituição internacional de crianças e abuso do direito de
guarda. Leis & Letras, 2010.
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